Há
alguns anos o meio evangélico têm se contaminado com uma perniciosa
doutrina. Este ensino diz que: “apesar de você ter Jesus como o
seu Salvador, e ser salvo, é possível que existam maldições
hereditárias, ou seja, maldições por causa dos pecados de algum
antepassado que não tenham sido perdoados, e que conseqüentemente,
ainda recaem sobre a suavida”.
Então, com esta doutrina se conclui que “por isso, você não é
abençoado, não prosperá, e por causa disso você tem doenças e
males que não consegue se livrar, apesar de ser salvo”. Usam como
base bíblica, geralmente, a passagem em que Deus declara que:
“visito
a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem” (Êx 20:5).
A
Bíblia mal interpretada é a mãe das heresias! Esta ameaça
pronunciada por Deus se refere aos que não eram salvos, e
permaneciam na idolatria, desprezando ao único Deus vivo e
verdadeiro. O Senhor não está declarando que apesar de convertidos
Ele ainda assim persistirá em amaldiçoar por causa dos pecados dos
pais! A maldição é para aqueles que aborrecem ao Senhor, e não
sobre os que o amam;
porque sobre os que amam o Senhor, a misericórdia perdurará até
mil gerações! (Keil & Delitzsch, Biblical Commentary on the Old
Testament, pp. 117-118).
É
verdade que alguns textos nas Escrituras declaram que o pecado dos
pais têm influência sobre a vida dos seus filhos (Lv 26:39; Is
55:7; Jr 16:11; Dn 9:16; Am 7:17). Mas, isto deve ser bem entendido,
pois não é uma referência à maldição hereditária, mas à
persistência dos filhos de não abandonar os pecados dos pais. Sendo
fiéis ao contexto histórico de toda a narrativa, perceberemos que
estas passagens são exortações ao arrependimento, porque a punição
era por pecados que tiveram origem nos pais, ou antepassados mais
remotos, mas eram pecados ainda perpetuados e praticados por eles
mesmos. Nisto percebemos que o cultivo duma cultura familiar
corrompida por vícios, idolatria e imoralidades, pecados que são
cometidos em família, ensinados pelos pais aos filhos trará a
ausência das bençãos pactuais de Deus, mas, cada um será
responsável por si, e enquanto não houver verdadeiro arrependimento
não haverá transformação.
Desde
o Antigo Testamento esta idéia se fazia presente no meio do povo de
Israel. O profeta Ezequiel denuncia o pecado do povo por acreditar
“que
tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este
provérbio, dizendo: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos
filhos é que se embotaram?” (Ez 18:2).
Entretanto,
após a repreensão segue a intrução do Senhor dizendo: “tão
certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio
em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai,
também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá (Ez
18:3-4).
A
argumentação do profeta continua em todo o contexto posterior,
deixando bem claro que cada um é responsável pelos seus próprios
pecados, e não será o filho punido por causa do pai, nem o pai por
causa do filho (versos 5-22).
Os discípulos de Cristo necessitaram ser corrigidos deste erro. Numa certa ocasião encontraram um jovem cego de nascença, e questionaram: “mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9:2).
A
redundante resposta de Jesus fechou o assunto, ao dizer que: “nem
ele pecou, nem os seus pais; mas foi para que se manifestem nele as
obras de Deus” João 9.3 Os males físicos e
temporais são instrumentos da providência de Deus, para que a Sua
glória se manifeste no meio do Seu povo escolhido, e assim, a Sua
vontade se torne conhecida (Jo:9:35-39; Rm 8:28).
Quando os verdadeiros crentes caem em pecado, mesmo pecados graves e escandalosos, eles não são abandonados por Deus. Deus nunca desiste deles (Rm 8:31-39). Como um Pai restaura os seus filhos, os disciplina “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos”(Hb 12:6, ARA).
O
apóstolo Paulo afirma esta mesma verdade dizendo que “quando,
porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para
que não sejamos condenados com o mundo” (1 Co 11:32).
É
possível cair em pecado, mas é impossível cair da graça de Deus.
O teólogo inglês J.I. Packer declara que “às
vezes, os regenerados apostatam e caem em grave pecado. Mas nisto
eles agem fora de seu caráter, violentam sua própria nova natureza
e fazem-se profundamente miseráveis, até que finalmente buscam e
encontram sua restauração à vida de retidão. Ao rever sua falta,
ela lhes parece ter sido loucura.”[Teologia Concisa, p. 224].
O
pecado é corrigido individualmente. Como individualmente pecamos,
também somos chamados ao arrependimento! Não posso me arrepender
por outra pessoa; entretanto, devo interceder por ela, se ela estiver
viva. Não é possível pedir perdão pelos pecados dos meus filhos,
nem irmãos, pais, avós ou qualquer outro antepassado. Pecado é
confessado, e somente é perdoado pessoalmente. A Bíblia diz que as
bençãos da Aliança acompanharão os nossos filhos, pois eles são
filhos da promessa.
Se você é filho de Deus, você é co-herdeiro com Cristo Jesus do amor de Deus (Rm 8:16-17), e esta é uma promessa para os seus filhos (At 2:39). Mas a Palavra de Deus não ensina que os nossos pecados serão cobrados dos nossos descendentes. Deus haveria de puní-los por uma irresponsabilidade nossa? A doutrina da maldição hereditária nega tanto a suficiência de Cristo, em perdoar graciosamente os nossos pecados, como a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas.
Recomendo
para uma leitura posterior:
- David Powlison, Confrontos de Poder (Editora Cultura Cristã).
- Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual (Editora Cultura Cristã).
Ewerton
B. Tokashiki
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