“Num
tempo onde as pessoas costumam mirar o chão, quero enxergar as
estrelas”. Há
dias em que perdemos o chamado "foco" da existência. São
dias de luto no olhar, sombras na relação com a história. Porém,
esses dias reservam surpresas que encontram os que ainda sonham.
Tenho um compromisso pessoal com a excelência, um desejo cada vez
mais abrangente de mirar horizontes desafiadores. Costumo chamar esse
desejo de "convite
às possibilidades", ou
seja, dar voz ao grito pelo infinito que me habita.
Espiritualidade
é um chamado às transformações. Esse chamado produz as mais
íntimas e profundas revoluções que nosso ser pode esperar. É um
chamado que ecoa, ao mesmo tempo, de dentro e de fora de nós mesmos.
Um despertar da essência à existência, da casualidade à
causalidade. É um vislumbre da vida de Deus em nossa humanidade, um
salmo escrito na vida e na relação espaço/tempo. A espiritualidade
é a lente através da qual olho para cima e miro estrelas:
Quero
enxergar as estrelas.
Mirar o amanhã que flui do abraço de Deus. Espiritualidade é esse
"querer
o que Deus quer que eu queira",
esse entendimento de que preciso consagrar a Deus o meu querer,
converter os meus anseios em sonhos para a construção de uma
história mais humanizada e humanizadora; abençoada e abençoadora;
realizada e realizadora.
Quero
enxergar as estrelas. Elevar
minha alma além de toda a mediocridade que o mundo tenta me fazer
abraçar. Direcionar meus ouvidos para a captação da melodia da
graça, dos sons da generosidade divina. Guiar meus olhos para os
alvos estabelecidos por Cristo para minha saga. Num tempo onde se
conspira contra a intimidade, tempo de indiferença, quero enxergar
nos outros a bênção da convivência, caminhos para o crescimento
como sociedade, irmãos e amigos.
Quero
enxergar as estrelas. Ainda
que a escuridão das noites esteja gritando que a vida acabou, verei
a beleza de um céu estrelado. Ainda que o deserto da vida esteja
empoeirando minhas esperanças, levantarei os olhos e verei a mão
que me guia, a mão do Eterno. Ainda que os predadores da alma
estejam em "temporada de caça", voarei como águia na
imensidão azul e perfeita do céu - lugar dos que amam a Deus.
Espiritualidade
é caminho de transcendência porque nos eleva para o encontro das
transformações, o abraço que muda o pranto em dança. Estar nesse
caminho é acreditar em encontros de cura e bálsamo. Espiritualidade
que transforma religiosidade vazia em transcendência absoluta;
transforma as catedrais do medo em imponentes memoriais às certezas
de que tudo veleja para o bem. Espiritualidade aprendida diretamente
do Consolador, aquele que ensina com maestria a mágica arte de
abraçar.
Minha
busca é por uma espiritualidade que lapide meu interior vasculhando
com esmero cada esquina que há em mim (Salmo 139). Sonho com uma
espiritualidade que restaure em meu ser as primeiras impressões
postas por Deus ao me criar. Anseio, profundamente mudanças que me
moldem no projeto original de Deus para mim e não nesse ser
imperfeito no qual me tornei. Não tenho vergonha de admitir: sou
imperfeito, mas busco o caminho da revolução pessoal (Mateus 5.48).
Não
quero ser um santo que fique preso às molduras da religiosidade
tradicionalista ou legalista, quero ser um santo na vida, que
transpira, chora, erra, peca, perde, sofre, mas é santo porque não
desiste de tentar, porque não desiste de acreditar que a vida cristã
não é coisa para os heróis, é coisa para nós (eu, você). Quero
ser santo porque Deus é santo, e estou me esforçando para amá-lo
(Leviticos 11.44). Espiritualidade é uma fantástica possibilidade
existencial além da fantasia humana, além da dúvida filosófica,
além da veloz modernidade e tecnologia, além dos nossos sonhos. É
o milagre do finito tocando a eternidade.
Não
quero ser um pensador de trivialidades, balbuciando dogmas ou fazendo
bolhas teológicas sem nexo. Quero pensar as implicações da cruz
nas fúrias do meu cotidiano brutal. Pensar verdades edificantes e
transformadoras. Verdades que revelem Deus e sua santa Palavra.
Verdades que contribuam para o crescimento e amadurecimento dessa
geração que vive sem viver. Quero a voz sofrida, mas adocicada dos
profetas (Ezequiel 3.3), o prazer de me entregar como metáfora
profética viva e vivificante. Quero lamentar, se preciso for, mas
também ver minha geração edificando um altar ao Senhor.
Não
quero ser um membro de igreja, quero ser igreja! Não quero ficar à
margem da estrada vendo a caminhada cristã rumar para o Eterno,
quero caminhar junto, servir de amparo aos meus irmãos enfraquecidos
pelas turbulências (Lucas 23.26), olhar para a frente e enxergar o
horizonte estrelado que espera os que "se
gastam e se deixam gastar pelo evangelho"(II
Corintios12.15). Quero querer.
Em
tudo isso, na verdade, se esconde a espiritualidade - nessa caverna
escura que existe em cada um de nós. Espiritualidade
não é fruto da mentalidade mercadológica, é uma conquista diária,
uma realização, um ideal a ser perseguido em nossas batalhas mais
incríveis. É o cajado que nos consola, o farol que ilumina a escura
noite da vida, a atração que nos conduz ao abraço eterno de Deus
(Jeremias 31.3), como disse Agostinho, "Tu
nos criaste para Ti mesmo, e nossos corações ficam desassossegados
enquanto não descansarem em Ti".
Quero
viver. Viver tão intensamente que possa marcar meu tempo histórico,
deixar uma poesia existencial escrita, uma arte pintada nas telas do
cotidiano, mensagem para a posteridade, um sinal de que "a
graça de Deus ainda se aperfeiçoa em nossas fraquezas" (II
Co.12.9).
Até
mais...
Alan
Brizotti
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